A noite que deveria marcar a consagração de Vinicius Junior acabou se transformando em uma grande saia-justa. Para surpresa geral, a Bola de Ouro, prêmio da revista France Football destinado ao melhor jogador do mundo na temporada, foi entregue ao meio-campista espanhol Rodrigo Hernández, ou Rodri, do Manchester City, e não ao atacante brasileiro do Real Madrid.
Nos dias que antecederam o evento, diversos meios de comunicação europeus haviam afirmado que Vinicius seria o vencedor, especialmente por seu papel fundamental na conquista da Champions League, incluindo um gol na final. O Real Madrid fretou um avião para levar uma delegação de 50 pessoas a Paris, onde aconteceria a cerimônia no Châtelet, um teatro histórico do século 19 às margens do rio Sena.
Seis horas antes do início do evento, surgiu a notícia de que o avião não decolaria do aeroporto de Barajas. O Real Madrid cancelou a viagem, conforme relataram quase simultaneamente a rádio francesa RMC, o jornal esportivo espanhol Marca e o respeitado jornalista italiano Fabrizio Romano. Minutos depois, a equipe de Vinicius Junior confirmou a informação à Folha, informando que a razão do cancelamento foi a confirmação de que Rodri seria o vencedor.
Os organizadores da premiação decidiram, neste ano, manter o sigilo até o último momento, semelhante ao que ocorre no Oscar. Historicamente, a Bola de Ouro costumava avisar o vencedor com antecedência para garantir sua presença em Paris, em uma segunda-feira, durante a temporada de competições. Isso frequentemente resultava em vazamentos de informações, eliminando o fator surpresa.
No entanto, a Bola de Ouro não é o Oscar, e jogadores de futebol não estão habituados a comparecer a premiações e sair sem o prêmio. O Real Madrid interpretou a vitória de Rodri como uma forma de desprezo da Uefa (União das Associações Europeias de Futebol), que co-patrocina o troféu.
O prêmio considera o período oficial da temporada europeia, de 1º de agosto a 31 de julho. Durante esse intervalo, Rodri conquistou o Campeonato Inglês, o Mundial de Clubes e a Eurocopa com a seleção espanhola; enquanto Vinicius Junior venceu a liga espanhola e a Champions League. Vinicius ficou em segundo lugar na votação, seguido pelo inglês Jude Bellingham e o espanhol Carvajal, seus companheiros de Real Madrid.
Ele chegou ao Châtelet utilizando muletas, já que passou por uma cirurgia no ligamento cruzado anterior do joelho direito há um mês, após se lesionar em um jogo contra o Arsenal, e só deve retornar aos campos em meados de 2025. Ao chegar ao tapete vermelho, foi vaiado por alguns curiosos que se aglomeravam na praça em frente ao teatro, mas dentro do evento recebeu muitos aplausos da plateia.
"É uma vitória não apenas minha, mas de todo o futebol espanhol. Tantos jogadores que não ganharam e mereceram, como Xavi, Iniesta, Iker [Casillas]... Tantos meio-campistas... Nós temos um trabalho mais obscuro, mas hoje ele veio à luz", celebrou o vencedor.
O colégio eleitoral da Bola de Ouro é composto por cem jornalistas de cem países diferentes – os cem primeiros do ranking de seleções da Fifa (Federação Internacional de Futebol). Cada votante lista dez jogadores, por ordem de preferência, recebendo 15 pontos para o primeiro, depois 12, 10, 8, 7, 5, 4, 3, 2 e 1 ponto.
As contribuições individuais e coletivas do jogador são consideradas, além de critérios como "classe e fair-play", que são reconhecidamente subjetivos e podem gerar controvérsias.
Na temporada 2023/24, Vinicius destacou-se em campo pelos dribles, passes e gols, mas também pela luta contra o racismo nos estádios espanhóis. Ele se envolveu em desentendimentos com adversários, torcedores, dirigentes e árbitros. Sua batalha contra esses crimes gerou resultados, mas também inimizades no conservador ambiente do futebol.
Com a vitória de Rodri, os jogadores brasileiros seguem sem conquistar o prêmio máximo desde 2007, quando Kaká, então no Milan, foi eleito o melhor do ano.
A vitória do espanhol, rara para um meio-campista defensivo (o último ganhador nessa categoria foi o alemão Matthias Sammer, em 1996), provocou a ira dos torcedores brasileiros. Para eles, o desempenho do brasileiro foi mais decisivo para as conquistas do Real Madrid do que o de Rodri para as do City.